AMIZADE

Pr 17,17;18,24
" O amigo ama em todo o tempo: na desgraça, ele se torna um irmão".
"O homem cercado de muitos amigos tem neles sua desgraça, mas existe um amigo mais unido que um irmão".

terça-feira, 15 de março de 2011

Afinal o Ecad é mesmo um bem?

O Ecad é mesmo um mal? – questionou Caetano Veloso na Folha de S. Paulo, em 22 de feveriro deste ano: “Os próprios defensores de Creative Commons reconhecem que o Ecad passou a arrecadar muito mais nos últimos anos. Ou seja, está mais eficiente.”

Contudo, esta eficiência, a qual se refere Caetano, poderia ter outro nome. Talvez por falta de informação, os grandes defensores do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) formulam suas opiniões com base nas próprias experiências, sem enxergar o que se passa no restante do país. A maneira de arrecadação adotada pelo Ecad está visivelmente equivocada e a redação da lei contribui para isso.

Nos últimos anos, o Ecad se tornou experto em recolher dinheiro de artistas e estabelecimentos menores, demonstrando a sua “eficiência”, apoiado em uma lei que apresenta grave problema de formulação. A lei é mal redigida e, por isso, mal interpretada. A festa da arrecadação se estabelece em um dos critérios utilizados pelo Ecad, que é protegido pelo Artigo 5º da Lei Federal nº 9.619, onde se permite cobrar quase tudo o que emana som. A saber, qualquer meio ou processo de comunicação de obras musicais mediante qualquer forma de transmissão existentes ou que venham a ser inventada estão sujeitos a cobrança. Desta maneira, a lei é cumprida. E é com tantos grãos que a galinha enche o papo. Mas o que vale questionar aqui é justamente a lógica deste sistema. Será que os artistas realmente se beneficiam com o Ecad?

Algumas situações que ocorreram em 2010, em Florianópolis, mostram o que vem acontecendo na prática. Teoricamente, o Ecad deveria proteger os direitos autorais. No entanto, há fatos que indicam uma grande contradição na aplicação dessa ideia: bandas com composições próprias são cobradas por estarem tocando suas próprias músicas. Quem vai pagar pra quem?

Pode-se afirmar que todas as bandas devem se filiar ao Ecad, mas isso, ao que consta, não é garantia. Vale citar o exemplo de um grande compositor, registrado, que morreu há poucos anos, e enfrentou graves problemas com o repasse dos direitos autorais. Em um e-mail de resposta a uma cantora lírica da cidade que pedia permissão para gravar suas composições, o filho desse compositor desabafou: “O que tentamos é uma liberação conosco para evitar uma cobrança do Ecad (que nunca repassou nada), assim pelo menos, temos certeza que essas contribuições possam ajudar na preservação da obra.”

A pergunta que muitos se fazem, então, é: “se estou executando obras de um compositor ou músico não registrado porque devo pagar para um órgão que não o representa e que não vai repassar o dinheiro a essa pessoa nunca?” Um dos casos mais ilógicos foi a arrecadação do Ecad em um festival gratuito de música livre e improvisada. A música improvisada, feita pelos próprios músicos em tempo real com performance de livre improvisação, ou seja, sem partitura ou qualquer gravação prévia, foi também alvo de cobrança. E faz-se necessário enfatizar um absurdo: que a instituição também marca presença nos eventos de caridade, sem fins lucrativos.

A falsa proteção de direitos acaba criando uma série de argumentos novos, como é o caso de uma escola de dança, que paga sobre avaliação de área, sendo arrecadado um valor de música sobre metro quadrado. Algo mais abstrato que isso? Os autores e as músicas que estão sendo utilizados, neste caso, não são questionados. O que, naturalmente, não é repassado a ninguém. Esse caso se enquadra na cobrança pela emanação de sons. A escola, é claro, deve pagar pelas músicas utilizadas em seus espetáculos de fim de ano. Com a exceção – e essa é uma das regras do Ecad – do autor ter morrido há mais de 70 anos. Tendo em vista esse fato, a dona da escola comenta: “Já que é preciso pagar para tocar música contemporânea optamos por trabalhar com os clássicos, o que não prejudicou em nada o nosso espetáculo.”

A cabeleireira que também teve seu estabelecimento sujeito a cobranças pelo rádio que tocava, optou por desligar o som. Esses pequenos fatos demonstram que está nascendo uma nova forma de criação ou ambientação sonora: no silêncio ou ao som de compositores clássicos.

Talvez por falta de preparo dos funcionários do Ecad, uma cantora teve de explicar que a música da Renascença tinha mais de 70 anos. "Ele apareceu três minutos antes da gente entrar em cena, quando já estávamos no palco prontos pra começar, e fez um escândalo dizendo que não poderia ficar até o final do espetáculo (que era a obrigação dele). Então, comentei com ele: "Bom, são todas músicas da Renascença e do Barroco. E ele: Mas a senhora sabe que se o compositor morreu a menos de setenta anos tem que pagar, né? Depois dessa acabou o diálogo.”

É preciso saber nas mãos de quem estamos. Essas pequenas histórias são apenas a ponta de um iceberg e provam a irracionalidade das formas de atuação do EcaD, onde, contraditoriamente, muitos artistas são prejudicados. Estruturado no âmago da incompreensão e da mediocridade burocrática, o Ecad é protegido por uma lei mal redigida e comprova sua eficiência nas ruas, nos bares ou em cada esquina onde os homens exercem seus podres poderes.

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